O futebol, o esporte mais popular do planeta, está lutando para compreender e mitigar sua verdadeira pegada ambiental. De acordo com estudo da Scientists for Global Responsibility, encomendado pelo New Weather Institute, o futebol global gera entre 64 e 66 milhões de toneladas de CO₂ equivalente (tCO₂e) por ano — aproximadamente o mesmo que toda a Áustria, ou 60% a mais que o Uruguai.
O relatório atribui 75% das emissões a patrocínios ligados a atividades altamente poluentes, como empresas de petróleo, gás e aviação. Excluindo essas parcerias, o futebol ainda seria responsável por 13 a 15 milhões de tCO₂e anuais.
“Apesar do apelo de massa e da audiência global, o futebol está tendo dificuldades em lidar com seu impacto ambiental real”, afirmou o pesquisador Dr. Stuart Parkinson, ao SportsPro.
Campeonatos de elite e torneios internacionais concentram emissões
Mais de 93% das emissões vêm das ligas domésticas de elite e torneios internacionais. Um único jogo da Copa do Mundo masculina pode emitir entre 44 mil e 72 mil tCO₂e, o equivalente a mais de 50 mil carros rodando durante um ano. Já uma partida da Premier League emite cerca de 1.700 tCO₂e, sendo metade disso relacionada ao deslocamento de torcedores e equipes.
O crescimento de competições internacionais, a superlotação dos calendários e a construção de grandes estádios são vistos como fatores que agravam o problema.
Transporte e moda rápida também preocupam
A locomoção de torcedores continua sendo uma das maiores fontes de emissão, principalmente nos torneios internacionais. Por isso, campanhas como o “I Came by Train” (no Reino Unido) e a inclusão de transporte público gratuito em ingressos da Bundesliga são estratégias para reduzir o impacto.
Outro fator relevante é a produção e descarte de uniformes. Com clubes lançando novos kits a cada temporada, estima-se que 100 mil toneladas de roupas esportivas vão para o lixo anualmente. A campanha “The Great Save”, organizada pela Green Football, busca incentivar o reaproveitamento dessas peças.
O peso dos patrocinadores poluentes
Mesmo com avanços em sustentabilidade operacional, o estudo alerta que os patrocínios com empresas poluentes continuam sendo o principal entrave ambiental do futebol. Apenas a petroleira Saudi Aramco investe mais de US$ 757 milhões em patrocínios no futebol, segundo o New Weather Institute.
“O futebol está sendo explorado por algumas das empresas mais poluentes do mundo para promover produtos e estilos de vida prejudiciais ao clima”, criticou Andrew Simms, co-diretor do New Weather Institute.
Setores como aviação, cruzeiros, bancos que financiam combustíveis fósseis e fabricantes de SUVs também têm contratos milionários com clubes e competições. Segundo a consultoria GlobalData, a aviação sozinha gastou US$ 1,2 bilhão com patrocínios em 2024, com projeção de chegar a US$ 3,6 bilhões até 2033.
Pressão por mudanças cresce entre torcedores e organizações
A crescente pressão de torcedores, campanhas ambientais e até atletas tem forçado mudanças. A campanha Fossil Free Football, por exemplo, exige o fim de parcerias com grandes poluidores. Em 2024, mais de 100 jogadoras de futebol assinaram uma carta aberta contra o acordo da Fifa com a Aramco.
Ao mesmo tempo, entidades como Fifa, Uefa e Premier League aderiram ao UN Sports for Climate Action Framework, que exige compromissos com redução de impacto climático e consumo responsável. Embora não seja juridicamente vinculante, o documento tem sido usado como base para novas diretrizes, como a exigência da Premier League para que os clubes publiquem políticas de sustentabilidade.
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O dilema entre impacto ambiental e modelo de negócios
Nos últimos anos, várias entidades têm se esforçado para reduzir emissões. Iniciativas como painéis solares em estádios, campanhas de reciclagem, menus sustentáveis e políticas de transporte coletivo têm se tornado comuns em ligas como Bundesliga, Premier League e eventos como a Euro 2024.
Ainda que iniciativas como o uso de iluminação LED e planos de neutralidade de carbono avancem, o conflito entre sustentabilidade ambiental e viabilidade comercial continua sendo um obstáculo.
“O futebol é um negócio comercial. A sustentabilidade avança até certo ponto, mas mudar o modelo de negócios da indústria exige mais do que boas intenções”, destacou Barney Weston, fundador da Football For Future, em entrevista ao SportsPro.
Um exemplo claro do paradoxo: o Arsenal, que foi o primeiro clube a ter suas metas net zero validadas pelo SBTi, segue promovendo a Emirates, maior companhia aérea do mundo, em seu estádio e uniforme.